Tuesday, February 12, 2013

Os militares quase acabam com o automobilismo no Brasil



Discorrer sobre os erros (e acertos) dos governos militares foge completamente do escopo deste site. Primeiramente, é um assunto que polariza opiniões e gera acirradas e intermináveis discussões passionais e irracionais. Mas este artigo se refere a um erro que custou e até hoje custa muito ao Brasil.

Na realidade, o erro não começou com os militares, estes simplesmente deram continuidade a uma falha atribuível a Juscelino Kubitschek. Frequentemente apontado como o melhor presidente do Brasil até hoje, JK criou um problema sério ao comprometer o futuro dos transportes no Brasil, enfatizando as estradas de rodagem em detrimento de outras opções. País com dimensões continentais, um dos grandes problemas do Brasil foi, e tem sido, escoar economicamente sua vasta produção do interior para os portos e cidades costeiras. JK usurpou para si o título de fundador da indústria automobilística no Brasil, e decidiu, durante o seu mandato, mudar a capital do país para o Planalto Central. Pela lógica, grande parte da sua política desenvolvimentista exigiria a construção de estradas. Afinal de contas, como justificar uma indústria automobilística em um país sem estradas, ou uma capital federal sem ligações terrestres com o resto do país?

O grande problema, obviamente, é que esta política apostou todas as fichas no transporte rodoviário de cargas, em detrimento do ferroviário, para fazer boa figura política com o transporte de passageiros.(*) Não é necessário ser economista para deduzir que o transporte de cargas em caminhões, em vez do uso de trens movidos a Diesel, é ineficaz, encarece os produtos, causa congestionamentos nas próprias estradas e portos e atrofia da escala de carga transportável. Mas assim disse JK. E assim foi. O Brasil teve suas estradas, as empreiteiras fizeram a festa e as ferrovias cairam no esquecimento.

Numa era em que o petróleo era barato demais, fazer sua prospecção no Brasil não valia a pena. Mas à medida que o país cresceu, em termos de população e economia, a conta petróleo cada vez mais representava um transtorno para os governos. Os militares continuaram a política de construção de estradas de JK (inclusive a faraônica Transamazônica), e o presidente da Petrobrás no início dos anos 70, Ernesto Geisel, manteve a política de não-prospecção, que apostava em um petróleo barato a longo prazo.

Cabe lembrar que no início dos anos 70 a indústria automobilística brasileira não produzia carros muito econômicos. Grande parte da frota brasileira tinha motores VW, de baixo custo de manutenção, mas não muito econômicos em termos de combustível. Depois da interrupção da produção do Gordini, em 1968, o carro com menor cilindrada no Brasil era o Sedã VW 1300.
Daí veio o choque do petróleo de 1973. Os países muçulmanos, que controlavam grande parte da produção mundial de petróleo, resolveram usar a guerra de outubro de 1973 contra Israel como desculpa para cartelizar de vez o petróleo. Assim, tornaram-se biliardários da noite para o dia, e criaram problemas vultosos para países que consumiam muito petróleo sem produzi-lo – leia-se aqui, países como o Brasil.

Azar de Geisel, que pensava que herdaria o país do “milagre econômico” mas acabou com o basket case das economias mundiais. Infelizmente, não houve reversão do choque, e o preço do petróleo continuou alto e subindo. Tardiamente, Geisel reverteu sua política de não prospecção. O óleo detectado na Baía de Campos, em 1976, só passaria a ser produzido em larga escala anos mais tarde.

Ou seja, o gasto alucinado de petróleo, em 1976, não era uma coisa “politicamente correta”, termo que nem existia nos idos de 1976. Procurava-se de todas as formas um bode expiatório, e o governo achou um: as corridas de automóvel. Estas seriam proibidas a partir de 1977, mas num ato desesperado, o Planalto resolveu interrompê-las já em 1976.

25 de julho de 1976 – Autódromo de Goiânia – seria o palco da última corrida do Brasil! O calendário automobilístico brasileiro estava longe de ter a miríade de campeonatos e categorias da atualidade. Resumia-se ao campeonato de Grupo 1, com sete corridas de longa duração. Dez provas de Fórmula VW 1300 e 1600, corridas curtas, de duas baterias. Meia dúzia de corridas curtas de Fórmula-Ford. E o pouco que restava da Divisão 3, também provas curtas. Havia também algumas poucas provas de campeonatos regionais, principalmente em São Paulo, e no Rio Grande do Sul. Mas o governo federal precisava de alguém em quem aplicar uma lição, e nada melhor do que uma pouca centena de loucos que desperdiçavam milhares de litros de gasolina azul, e divisas do país, em uma atividade espúria. Longe de ser o problema escoar quase toda produção do país em caminhões velhuscos que frequentemente viajavam centenas de quilômetros para atingir um porto marítimo! Não o problema eram 20 Super-Ves correndo 40 minutos, dez vezes por ano!

Alea jacta est – a sorte estava lançada. O país que agora produzia, orgulhosamente, um carro de F-1 made in Brazil, não teria mais corridas em seu território.

Assim, deprimido, dirigiu-se o circo do Grupo 1 para Goiânia, já que o longânimo governo permitia a realização da última corrida, as 12 Horas de Goiânia. Todos muito preocupados, afinal, a grande maioria das equipes tinha patrocínio comercial e esses contratos obviamente seriam rompidos. Grande parte do dinheiro do patrocínio é gasta no começo do ano, e assim as equipes não tinham nem como ressarcir seus patrocinadores.

Nessa hora, ajuda um pouco o fato de o automobilismo ser praticado por pessoas mais influentes, em termos econômicos e até mesmo políticos. Portanto, os automobilistas não iam aceitar a derrota com tanta facilidade. Entre outras coisas, o presidente da CBA na época, Charles Naccache, argumentou que o volume total de gasolina azul gasto no calendário automobilístico inteiro, correspondia a 15 minutos de uso de gasolina na cidade de São Paulo! Ou seja, sob o ponto de vista prático, acabar com as corridas no Brasil em nada iria melhorar o balanço comercial do país.

Entre outras providências, foi convidado para a prova um representante do Conselho Nacional do Petróleo, para mostrar que durante uma prova, havia entre 3000 a 4000 carros estacionados no pátio do autódromo, ou seja, carros que poderiam estar rodando se não estivessem ali parados por até 12 Horas!

E a corrida foi realizada, apesar do clima de velório. Entre outros, corria o piloto de F-1 José Carlos Pace, como companheiro de equipe de Paulo Gomes, na equipe Mercantil Finasa Ford. Não foram felizes, e abandonaram. O líder do campeonato, Bob Sharp, também corria na mesma equipe, e não teve um resultado excelente, embora tivesse liderado no começo da corrida, mas aumentou sua pontuação. Chegou em 7° em dupla com Arthur Bragantini, mas marcaram a volta mais rápida, em 1m59s40/100, média de 115,338km/h.

Os Opalas acabaram fazendo a festa: os quatro primeiros lugares foram obtidos pelos produtos da GM. Edgard de Mello Filho e Affonso Giaffone Jr. levaram o caneco, completando 348 voltas, com 5 voltas de vantagem sobre os paranaenses Edson Graczyck e Carlos Eduardo Andrade. Em terceiro, Antonio Castro Prado e Ricardo Oliveira, e em quarto, prata da casa, Cairo Fontes e Alencar Jr. O primeiro Maverick foi o de Bob Sharp/Arthur Bragantini, sétimo na geral (5o na classe C), Entre outros, participaram da corrida Fabio Sotto Mayor, que ganhou a classe A com Dodge Polara, em dupla com João Batista Aguiar, Reinaldo Campelo, e alguns pilotos que correm até hoje, como Xandy Negrão e Luis Paternostro.

Como não se sabia se esta seria a última corrida do Brasil, se terminasse ali o campeonato, Bob Sharp seria o campeão, com 63 pontos, seguido de Castro Prado e Ricardo Oliveira, com 41, e Graczyck e Andrade, com 40. Acabou sendo campeão de qualquer jeito. No final das contas, prevaleceu o bom senso, e os militares aprovaram a volta das corridas no Brasil, certamente sob pressão das fábricas de automóveis e patrocinadores, muitos deles empresas de peso. O governo voltaria, porém, a proibi-las em 1979, com o segundo choque do petróleo!
Resultado das 12 Horas de Goiânia, 25 de julho de 1976

1. Edgard Mello Filho/Affonso Giaffone Jr. – Opala 4100, 348 voltas
2. Carlos Eduardo Andrade/Edson Graczyck – Opala 4100, 343 voltas
3. Antonio Castro Prado/Ricardo de Oliveira – Opala 4100, 341 voltas
4. Cairo Fontes/Alencar Junior – Opala 4100, 341 voltas
5. Fabio Sotto Mayor/João Batista Aguiar – Dodge Polara – 330 voltas (1o. Na A)
6. Luis Ferreira/Mario Ferreira – VW Passat – 329 voltas
7. Bob Sharp/Arthur Bragantini – Maverick V-8, 328 voltas
8. Paulo Cesar Lopes/Antonio Nunes – Maverick V8 – 327 voltas
9. Francisco Artigas/Luis Paternostro – VW Passat – 326 voltas
10. Reinaldo Campello/Jose Rubens Romano – Opala 4100 – 324 voltas
(*) Nos anos 50 deu-se grande ímpeto na construção de estradas de rodagem nos EUA, devido a política de “urban sprawl”, ou seja, na suburbanização do país. Certamente JK se calcou no sucesso desta política, esquecendo-se, entre outras coisas, que quase toda infra-estrutura ferroviária já estava implementada antes de o país sair construindo estradas.

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